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Tânia Fernandes: “No comboio de regresso, viajava com essa imagem, e senti que precisava de escrever”

Tânia Fernandes é uma das participantes da Bolsa de Poetas e Dizedores da Palavra. Dedica-se ao exercício da escrita desde 2017, através do qual mergulha nas raízes da sua infância e num profundo fascínio pela mística. Da poesia às short stories, a sua escrita é um profundo mergulho nos meandros da sua imaginação. Vai passar pelo Auditório Municipal Ruy de Carvalho, em Oeiras, no próximo dia 6 de Março, para celebrar a Colecção Batimento. Em antecipação dessa tarde, estivemos à conversa com a poeta e dizedora.

A Palavra: Como começaste a escrever ou a dizer poesia?
Tânia Fernandes: Em 2013 fui viver para o sul de França, onde ficaria sete anos. Fui sozinha, morava sozinha e não conhecia quase ninguém. Foi um desafio que se revelou muito enriquecedor, pois acabei por aprender muito sobre mim, e sobre tudo na verdade. Numa vinda a Lisboa em novembro de 2017, um grande amigo, a pessoa mais inspiradora que conheço, tinha acabado de chegar de uma longa viagem e eu curiosa para que me contasse essa experiência. Fomos almoçar num lugar bonito. Nesse lugar, nessa mesa, no meio das luzes de Natal, ele contava-me as suas aventuras no aconchego de uma camisola de lã… eu aconcheguei-me ao calor das suas palavras. Fiquei com esse momento gravado em mim. No comboio de regresso, viajava com essa imagem, e senti que precisava de escrever. Foi o primeiro poema que escrevi.

Uns meses mais tarde, entrei para a associação francesa cpop, onde recitava publicamente poesia portuguesa, em português e francês.

A Palavra: Existe algum poeta com que gostasses de colaborar? E um músico?
Tânia Fernandes: Na música, a Maro! Para mim uma das melhores artistas portuguesas da atualidade. Na poesia, o João Silveira que tanto inspira, também, com o seu projeto Burgueses Famintos.

A Palavra: Tens alguma recomendação literária que gostasses de fazer?
Tânia Fernandes: A Wandering Poem/Um Poema Errante, obra singular de Christian Marques e Angharad Hengyu Owen.

A Palavra: Poderias partilhar um pequeno poema connosco?
Tânia Fernandes: O último que escrevi:

Há sempre escuridão num pestanejar
Dizem que nesse instante que não vês
A água corre sem memória.

Dos teus, talvez.

Dos meus, corre esta história:
De que neles um dia
Do avesso te poderias
Com alguma magia
Ver
Ou correr, só e infinitamente
No meu labirinto de murmúrio quente
Até que brotassem enxames de nãos
Das palmas das mãos
Nesse amanhã de metamorfose
Espelhos paravam
Gatos uivavam
Rosas iam cheirar a jasmim
Para a magia não ter fim.

Mas dos nossos,
Na nossa escuridão
Anuviada por um bater cardíaco
Fugimos de ser em reinos fabulosos
Com as nossas coroas feitas de bocados de lixo
A pensar o mesmo
Eu de gatas
Tu de joelhos
Inventamos um país
Um hino que gritamos por um tubo ou raiz
Até fazermos os lobos miar
Espelhos acordar
Rosas acreditarem ser jasmim
E, assim,
Como o nascer de um dia
A claridade abria
Para o fim se transformar
Em magia.